O Cachimbo
Uma breve apresentação deste mítico artefacto.
As origens do tabaco são antiquíssimas. Instrumento inventado para fumar – mas não apenas tabaco, já que esta planta foi desconhecida durante séculos – existem registos que atestam a sua existência há milhares de anos. São disso testemunho os cachimbos de pedra e o chamado “fumo da terra”, um pequeno cone feito no solo com dois buracos: num, eram introduzidas folhas de plantas aromáticas ou alucinogénias; no outro, o fumador, deitado no chão, encostava a boca e respirava o fumo. A inalação do fumo de ervas que se espalhavam sobre a fogueira terá precedido a invenção de um instrumento para albergar essas mesmas ervas.
Inúmeros pictogramas das civilizações asteca e maia atestam a utilização de formas primitivas de cachimbos nestas culturas. Entre os Astecas, além de serem usados pelos “sacerdotes” em cerimónias religiosas, os cachimbos cumpriam ainda uma função social e de convívio, reservada para o final das refeições. De um modo semelhante, admite-se que os Maias poderão estar na origem da divulgação deste hábito por todo o continente americano.
Na Europa, os primeiros cachimbos em madeira aparecem, cerca de 1650, em Ulm, na Alemanha, cidade que ganha fama com essa produção, nomeadamente em nogueira. Outras madeiras serão experimentadas – como o carvalho, a faia, o ulmeiro e o buxo -, contudo, porque resistem mal ao aquecimento, os cachimbos são reforçados com anéis de ferro e outros metais.
Não obstante a sua condição implícita de “objecto de uso” – mesmo quando utilizado em contextos rituais -, o cachimbo é hoje, não poucas vezes, pelo seu design e valor, uma peça de colecção e de arte.
No essencial, o cachimbo é um objecto que permite, através de um tubo, aspirar o fumo do tabaco (ou de outras plantas) depositado num recipiente. O cachimbo comum, em urze, é constituído por três partes fundamentais:
Cabeça/fornilho: onde se coloca o tabaco, tem uma forma anatómica e deve ser agradável ao contacto com a mão do fumador.
Canela: normalmente inseparável da cabeça, une esta à boquilha e tem no interior o canal de fumo; pode ser recta ou não, consoante o ângulo que forma com a cabeça do cachimbo.
Boquilha: autónoma em relação ao resto do cachimbo, permite a condução do fumo até à boca e deve encaixar perfeitamente na canela.
Até à introdução do acrílico pela Castello na década de 1960, a esmagadora maioria das boquilhas dos cachimbos de urze era feita em ebonite ou vulcanite, uma mistura de enxofre com borracha vulcanizada que começou a ser utilizada em 1870.
A maioria dos artesãos prefere agora trabalhar com boquilhas em acrílico (metacrilato, lucite ou plexiglas), um pouco mais duras do que a ebonite, mas com a vantagem de manterem o brilho e resistirem sem problemas à oxidação.
Outros materiais também usados na produção de boquilhas: madeiras diversas, baquelite, chifre, âmbar, âmbar sintético, ultem, perspex, etc.
Nos cachimbos lisos, em que o grão tem grande importância, devem usar-se as melhores madeiras, mas isso nem sempre acontece por parte de alguns fabricantes, que depois, escondem as imperfeições e os defeitos da urze enchendo as fissuras com uma massa betuminosa (mastic). Com o passar do tempo, essa massa tende a saltar, devido ao aquecimento do cachimbo, o que deixa à vista pequenos buracos na madeira.
Os rústicos são cachimbos com um preço inferior, embora não dêem menos trabalho ao artesão. A rugosidade que os caracteriza é conseguida por meio de pequenas goivas, que sulcam a superfície da madeira de forma irregular. Isso permite aproveitar os blocos de madeira que, à partida, seriam rejeitados através da eliminação das imperfeições da urze.
Quanto à aparência final, o cachimbo pode ser natural – encerado ou não com cera de carnaúba – ou sujeito a um processo de tintagem que lhe dá coloração. É, igualmente habitual a aplicação de tratamentos à base de óleos especiais, que lhe conferem beleza e uma maior doçura nas primeiras fumadas.
O cachimbo em urze, mais comum, é produzido a partir de uma excrescência da raiz da urze, arbusto que só existe na bacia do Mediterrâneo e em solos pedregosos, quentes e secos. Esta madeira apresenta diversas vantagens: beleza dos veios, resistência a altas temperaturas, leveza, dureza, porosidade e facilidade com que pode ser trabalhada. Todavia, o arbusto demora dezenas de anos a crescer e há falta de mão-de-obra para recolher a madeira nos montes.
Depois da urze, a espuma do mar é o material mais utilizado para fazer cachimbos. Trata-se de um hidro-silicato de magnésio, um mineral quase branco, muito leve, poroso, resistente ao calor e com grande capacidade para absorver a nicotina, e que tem como inconvenientes apenas a sua fragilidade e a sensibilidade às mudanças bruscas de temperatura.
Existem ainda cachimbos produzidos em porcelana, cabaça, oliveira, entre outros, que se distinguem pelas suas características específicas.
Textos retirados de: In "Cachimbos-Marcas, Fabricantes e Artesãos" por José Manuel Lopes da Quimera Editores